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Papéis trocados
vive dia de "cachorro louco" pilotando a "moto de trabalho" de um motoboy com mais de 300.000 km rodados. Sinta essa emoção e saiba como ela chegou nesse estado
A traseira do ônibus começa a "crescer" à frente, o piso está molhado e lembro que não estou pilotando uma moto nova e revisada como aquelas normalmente testadas por DUAS RODAS. Para conhecer um pouco mais da vida dos motoboys trocamos por um dia uma Yamaha YBR 125 ED modelo 2005 pela desgastada ferramenta de trabalho do motoboy Rodrigo Firmino Pedraça, 22 anos, uma YBR 125K ano 2003, que segundo ele, já virou 300.000 km rodados. Com pneus carecas, sem freio traseiro e com o dianteiro à tambor muitíssimo desgastado, ela exige mais espaço nas frenagens que moto "normal", além de muita (muita mesmo) reza e torcida...
Ufa! A moto pára mas a chuva aumenta dando conta de que a tarde seria mesmo difícil no trânsito caótico e furioso de São Paulo (SP). Esse seria apenas o primeiro de muitos sustos e constatações vivendo um dia a bordo de uma moto de uso profissional. Percorrendo congestionados caminhos entre os bairros de Vila Mariana e Santo Amaro, DUAS RODAS cumpriu a tarefa (ou "trampo" no jargão motoboy) de levar uma encomenda pelos 18 km que separam esses bairros.
É nóis!
Enquanto eu levava meu primeiro susto com a moto do Rodrigo ele sorria a bordo da reluzente YBR 125 ED e dizia estar "matando as saudades de quando sua moto ainda era novinha em folha menos de dois anos atrás". Segundo Rodrigo as lonas e componentes necessários para a manutenção dos freios da sua YBR já foram adquiridos, mas ele ainda não fez a troca por absoluta falta de tempo. "Não consigo encostar a moto para consertar senão perco o trampo" com isso fica sem dinheiro para levar para casa. “Vou acostumando com os problemas e vamo que vamo (sic)”, afirma o valente Rodrigo.
Moto em situação lamentável
Enquanto isso minha luta era manter o motor funcionando nas paradas em cruzamentos, já que o motor da YBR sofria de absoluta falta de marcha lenta. Sem o filtro de ar e com um provável entupimento do giclê de marcha lenta, a solução é ficar "bombeando" o acelerador para não deixar a mistura empobrecer (muito ar e pouco combustível) até desligar o motor. Deixei o motor morrer algumas vezes. Naquela sexta-feira chuvosa e congestionada, nunca ouvi tantos palavrões dos motoristas. Depois, "peguei a mão" no acelerador, um problema que para o Rodrigo não existe por "já estar acostumado".
Ao meu lado passavam outros motoboys cumprimentando aquele "novato desajeitado" em sua surrada moto, enquanto Rodrigo era curiosamente ignorado pelos "irmãos" por estar montado em uma moto nova. Enquanto isso, ia aprendendo a ser "cachorro louco", tirando proveito do guidão mais estreito instalado na YBR 125 K, que realmente facilita a circulação entre as filas de carros parados no engarrafamento sem necessidade (nem possibilidade) de frear. O jeito é entrar no clima, evitar ruas que possam ter comandos policiais (que certamente apreenderiam a moto) e tentar não pensar naquele modo quase insano de se pilotar... Libera a frente porque é nóis na fita!
Acionamento do freio no limite
Coisas que caem
Felizmente o equilíbrio da YBR 125 do Rodrigo é um "milagre". A moto parece alinhada e ainda bem entrosada com as suspensões nas mudanças bruscas de direção e trechos rápidos. Isso porque em um recente acidente, essa YBR sofreu uma colisão frontal que deixou as duas bengalas da suspensão dianteira bastante tortas, "felizmente entortou por igual" conta o motoboy. Por isso mesmo ele ainda não pretende realizar os reparos desses componentes.
Ele conta que nesse mesmo acidente, o farol e o painel se soltaram da moto passando a ser fixados através de arames e aranha. No painel, só a ignição funciona e pode ser ativada com qualquer tipo de chave. Velocímetro e luzes de advertência piscas e lanterna traseira também deixaram de funcionar e causavam uma espécie de "cegueira" a quem está acostumado a se orientar pelos instrumentos do painel como eu. Nunca imaginei tanto desconforto em não sinalizar frenagens e mudanças de direção aos motoristas mas, pelo menos a buzina ainda funcionava em alto e bom som.
No acidente, o tanque de combustível também foi danificado, um dano sem importância para Rodrigo que afirma: "por onde andamos, moto bonita só serve mesmo para atrair os ladrões". Também por isso ele nem pensa em substituir as rodas já bastante enferrujadas e muito menos peças plásticas como, laterais e rabeta traseira, que segundo ele foram caindo com a vibração e os solavancos. Substituição mesmo só para "artigos de primeira necessidade" como pneus (já perdeu a conta de quantos trocou), kits de relação secundária e o óleo do motor que Rodrigo faz questão de trocar a cada 1.000 km, "único item com o qual sou mesmo rígido" diz.
Motor
Isso pode explicar em parte a vida longa desse robusto motor da Yamaha que mesmo depois de passar por três retificas, uma total e duas parciais (pistão anéis, cilindro e cabeçote) ainda resiste bravamente. Embreagem e câmbio ainda se mostram precisos apesar de alguma folga. O motor "empurra" bem nas subidas mais íngremes com vitalidade exemplar para a quilometragem. Rodrigo conta que não tem um número preciso já que o hodômetro do painel parou de funcionar há muito tempo, mas pelas suas contas passa de 300.000 km.
E apesar de todas as suas excentricidades e faltas, a valente Yamaha YBR 125K cumpriu o trajeto previsto de aproximados 18 km de vias congestionadas em 38 minutos. Desfeita a troca, concluí que é preciso assumir (ou ignorar) muitos riscos para se pilotar uma moto naquelas condições e fiquei com a boa sensação de ter sobrevivido àquela troca de papéis no caótico trânsito paulistano. Para mim uma verdadeira aventura urbana, já para Rodrigo: "foi só mais um trampo" igual a outros milhares feitos todos os dias por legiões de motoboys.
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